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“Cortaram a única internet que tinha aqui”: tráfico expulsa empresas de internet


Além da venda de drogas e a instalação do famoso gatonet em diversas comunidades ao redor do Brasil, os criminosos têm um novo alvo em específico: as provedoras de internet. Nos últimos meses, inúmeras pequenas e médias empresas do setor são vandalizadas, tem carros incendiados, e seus funcionários recebem inúmeros ameaças constantes.

O TecMundo conseguiu, com exclusividade, conversar com um morador de um bairro na região metropolitana do Rio de Janeiro. Por questões de segurança, o morador não deseja revelar seu nome ou a localidade exata em que vive por medo de represálias, mas para facilitar o entendimento o chamaremos de Arnaldo nesta matéria.

Arnaldo conta que a imposição do tráfico para a retirada de provedoras de internet em sua região foi lenta, mas frustrante. “Cortaram a única internet que era ‘liberada’ aqui. Não avisaram, e até o comércio foi prejudicado”. Inicialmente, os moradores não sabiam exatamente o que estava acontecendo, mas mais tarde, em uma sexta-feira, descobriram que era uma ordem do tráfico.

Policiais apreenderam equipamentos usados na instalação da internet clandestina (Imagem: SSPDS/Reprodução)

“Tudo foi muito lento e demorou quase um mês para virem instalar a internet. Prejudicaram tudo, um bairro inteiro e as redondezas prejudicados”, explica a vítima. Além de terem expulsado a única empresa atuante na região, os valores e a oferta dos serviços também mudou significativamente.

O homem conta que passou a pagar mais pelo serviço. Ele diz que antes, tinha um pacote de internet maior, mas o serviço do tráfico reduziu a qualidade da rede para 300 mega. No preço, o morador conta que paga quase R$ 100 mais caro por um serviço de qualidade inferior.

Todo o processo de pagamento pode ser feito via Pix ou boleto. Quem preferir, pode ir a uma unidade física na comunidade para pagar em dinheiro antes da data de vencimento, e ganha um desconto na mensalidade.

Expansão do crime

Segundo uma reportagem veiculada pelo programa Fantástico no último domingo, (13), a prática tem se tornado um dos negócios mais rentáveis para o crime organizado. A situação se agravou nos estados do Rio de Janeiro, Pará e Ceará, mas representantes do setor esperam uma proliferação dos atos para mais regiões no futuro.

No Rio, a Polícia Civil abriu mais de 120 investigações contra grupos armados suspeitos da prática. Dentre os métodos utilizados pelos criminosos, está a extorsão das empresas, impedimento para as marcas funcionarem e, quando há essa liberação, é cobrado um pedágio das provedoras.

Apesar do estado carioca já ser conhecido pela audácia dos traficantes, Pará e Ceará também sofrem com os ataques. Carros de empresas foram incendiados na região metropolitana de Belém, enquanto diversos casos ocorreram no Ceará, inclusive com tiros disparados nas sedes das empresas.

“Internet é a nova boca de fumo”

Como aponta o delegado Pedro Brasil, “a internet é a nova boca de fumo”. As autoridades envolvidas no processo de investigação entendem que além do risco para as empresas que atuam no setor, a população também fica à mercê dos criminosos.

Ao utilizarem os equipamentos de comunicações, os criminosos podem espionar, roubar dados, distribuir softwares mal-intencionados e aplicar golpes. Quando as facções criminosas se opõem completamente aos provedores de internet e instalam sua própria empresa, os moradores não têm outra opção a não ser aceitar esse serviço ilegal, ou ficarão sem internet.

O serviço dos criminosos é, na maioria das vezes, bem coordenado. Não é incomum que as facções se unam com uma empresa específica para realizar a operação, e contam com profissionais especializados no trabalho, como ex-funcionários de companhias legalizadas que realizam o procedimento técnico da operação.

Empresa de internet vandalizada
Pontos de atendimentos de empresas foram depredados no Ceará (Imagem: Redes sociais)

Esses criminosos utilizam aplicativos de mensagem, como WhatsApp, para se comunicar com os clientes e muita das vezes cobram mensalidades até mais altas do que nos serviços tradicionais. Em certas comunidades e/ou regiões, há pontos de atendimento para os clientes, que também podem realizar o pagamento presencialmente.

No Ceará, o Comando Vermelho exige que as companhias legais paguem uma taxa que pode chegar a até 50% do valor dos serviços cobrados aos clientes. Dados de março indicam que o prejuízo no estado nordestino já teria ultrapassado R$ 1 milhão, enquanto as provedoras teriam um gasto de cerca de R$ 500 mil para retomar a infraestrutura, mão de obra e cancelamentos com os clientes.

Em resposta, a associação que representa o setor, a Abrint, teme uma expansão rápida para outras regiões do Brasil. “A gente tem medo que isso escale para o Brasil inteiro, por não ter um retorno rápido da segurança pública. Estamos falando de segurança nacional”, diz Mauricelio Oliveira, presidente da Abrint.

O lado das autoridades

Do lado das autoridades, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) diz que está à disposição de outras instituições, como as polícias, para auxiliar nos casos. No entanto, não há uma resposta efetiva ou planejamento anunciado para encerrar o controle dos traficantes sob as provedoras de internet.

Considerando que os governos sequer conseguem entrar e realizar operações realmente eficazes em comunidades e regiões afetadas pelo tráfico, como o Comando Vermelho, a luz do fim do túnel ainda parece distante. No Rio de Janeiro, a Secretaria de Segurança Pública do estado aponta que já mapeou áreas de atuação das facções.

Ainda no RJ, os criminosos barraram o funcionamento de operadoras de internet nos bairros Estácio e Olaria. Inclusive, uma grande empresa, a Claro, teve problemas no fornecimento dos serviços a partir de fevereiro.

Homem preso com mãos algemadas para trás
Autoridades parecem inertes no combate ao crime organizado (Imagem: GettyImages)

No Ceará, o governador Elmano de Freitas anunciou um grupo especial para combater os ataques do CV. Em março, as autoridades deram início à Operação Strike, que prendeu 17 suspeitos. Cinco eram donos de empresas de internet clandestinas, e um deles era um prestador de serviço que auxiliava os criminosos com conhecimentos técnicos.

Apesar das declarações das autoridades, Arnaldo e outros moradores não têm expectativa de que a polícia irá resolver o caso, já que “eles [Estado] estão preocupados com outras coisas”. 

Para mais informações sobre o desenrolar desses casos, continue ligado no site do TecMundo. Aliás, o Brasil é um dos países que mais teve denúncias de abuso infantil na internet em 2024.



Tecmundo

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